Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCLXXXVII)

Horizontina, 13 de novembro de 2040

Existe uma grande diferença entre amor e pieguismo. Fiquei muito perturbado, após ter conversado com um jovem professor, que era a personificação da amargura. Confidenciou-me que estava a pensar mudar de profissão:

“Estou a pensar mudar de profissão. Na última aula, eu saí desesperado. Deram-me uma turma com mais de trinta alunos. Nem mesas há para todos, naquela sala! Os professores não conseguem dar aula. Os meus colegas dizem que os alunos podem estar a pensar em tudo menos no que o professor está a dizer, mas o que importa é que não os aborreçam e os deixem dar a aula. Se não deixarem, há sempre a falta disciplinar, não é? Rua com eles!”

“E os outros professores da tua escola, aqueles que conseguem ter uma boa relação com os alunos?” – inquiri.

“Os outros?” – replicou – “Quais? Na sala dos professores, só os vejo dizer mal dos alunos e a preparar processos disciplinares”.

Naquele tempo, instaurar um processo disciplinar, suspender ou expulsar um aluno era fácil e era a regra. Mas, quando puniam um aluno, os professores agiam sobre as consequências, não sobre as causas. A solução administrativa dos problemas disciplinares era, em si mesma, deseducativa. Não resolvia os problemas, não era entendida por mentes revoltadas, nem prevenia futuras situações de conflito.

Os professores vacilavam entre uma permissividade humilhante e um autoritarismo medroso. Pareciam receosos de exercer autoridade. Poucos a exerciam com maturidade e serenidade. O pieguismo pedagógico usurpara o espaço onde deveria haver amor maduro:

“Os meus alunos dizem que eu não consigo entender os seus problemas. Pois não! Nem os meus eu entendo! Dominar a sala de uma classe de seis anos é difícil. É muito difícil mantê-los sentados! Quanto mais dar aula!

Muitos educadores não sabiam que o que mais importava era a comunicação de alma para alma. A mão que apertava a nossa mão e o sorriso com que nos acolhiam nos desvendam um mundo de afetos, emoções.

Os problemas de relação tinham raízes profundas e desde o ventre materno. Conheci pais imaturos, reféns dos seus filhos, como uma mãezinha que se queixava de não ser capaz de “aguentar o filho”:

“Não sei o que hei-de fazer, senhor professor. Tem de me indicar um bom psicólogo. Já fui a dois, mas não gostei. Eu sei que ele só tem seis aninhos e que eu não o posso contrariar. Se o faço, ele começa a chorar, a gritar. E eu já não sei o que fazer”.

Compreendi que, gritando, a criancinha ganhava a contenda. E perguntei a essa mãe por que razão o seu filho não usava os talheres, durante a refeição. A mãe da criança esclareceu:

“Olhe, senhor professor, o meu filho come com a mão, porque no jardim infantil não o ensinaram a comer”.

A palavra “violência” tem origem no radical sânscrito e significa “força vital”. Todavia, era utilizada para designar atos de agressão. Nas escolas, a mais grave das violências talvez não fosse a explícita, aquela que degradava corpos, mas aquela que maltratava o espírito – a violência simbólica.

Naquele tempo, desgovernantes impunham a criação das chamadas “escolas cívico-militares”. Apesar do apoio de famílias, que padeciam de menoridade cidadã e confundiam autoridade com autoritarismo, a absurda remilitarização das escolas teve vida breve. Debelada a crise democrática de há vinte anos, os militares regressaram aos quartéis e a educação voltou às escolas.

Os professores aprenderam a lição. E o autoritário instrucionismo (escolar e militar) deu lugar à edificação da utopia: uma escola onde não imperasse a ordem imposta, mas reinasse a dignidade e a liberdade.

 

Por: José Pacheco

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