Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CCXCII)

São Borja, 18 de novembro de 2040

Queridos netos,

Em 2020, tentava ajudar amigos e companheiros de jornada a “matar o pai” (psicanaliticamente, é claro!). Estava prestes a completar setenta anos e apenas desejava que me libertassem do fardo da militância. Urgia que outros educadores tomassem nas suas mãos a… “missão”. Para tal, ajudei a criar uma rede de projetos de uma nova e melhor educação. Sentia ter chegado a hora de ir plantar árvores e olhar passarinhos

Sabemos que uma rede não tem centro e que, por isso, se expõe a inevitáveis “dinâmicas pessoais” e a manifestações de egos inflamados. Por isso, não foi fácil concretizar o meu voluntário afastamento. Tão logo anunciei esse propósito, recebi mensagens como esta:

“Como mãe e educadora do século XXI, cheguei a este momento mais certa de que as minhas crenças e visões em “chão de escola” estão corretas, dada a realidade deste novo século. A minha aproximação a esta rede prendeu-se com o fato de me poder sentir mais “aconchegada” no caminho solitário que é ser um agente de mudança e não o poder implementar com a liberdade desejada (como as crianças merecem) no meu dia-a-dia como docente,  seja pela resistência que cria nas pessoas que me rodeiam, porque ainda acreditam no “Papai Noel”. Aproximei-me com a esperança de renovar energias e abrir um caminho novo que alimentasse esta minha necessidade de aconchego.

Contudo, chego a este momento sentindo que as dinâmicas pessoais, que muitas vezes são impeditivas de que a transformação aconteça, existem também em grupos cuja missão é agir por uma educação unificadora e transformadora. Estar num grupo, cujas dinâmicas refletem o oposto da missão unificadora, é para mim desgastante. O “calor unificador” de que precisava, para seguir em frente neste momento, não existe, e a minha participação deixou de fazer sentido, quer a nível pessoal (falta de tempo e indisponibilidade horária para reunir a horas tardias), quer a nível das aspirações que sentia (na possibilidade de constituição de um novo núcleo que nutrisse as crianças da minha área de residência), assim como a nível profissional (como professora, que tenta irremediavelmente nas suas práticas diárias reconfigurar a educação, reinventando-a, reimaginando-a, inovando-a). Desta forma, me afasto.”

Atento a uma anunciada desagregação, optei por um derradeiro esforço. Com quem correspondeu a um “convite”, ajudei a organizar “turmas-piloto”, protótipos de comunidades de aprendizagem (se quiserdes saber do que tratava, dizei-me e vos explicarei o que isso era). E adentramos 2021 com algo agregador, concreto, no chão das escolas. Assim respondi à mensagem da Mariana:

“Querida amiga, é preciso não perder o sentido dos gestos transformadores e aceitar alguma desagregação. A “unificação” é idealizada. Façamos o que é possível fazer, o que estiver ao humano alcance: idealizar o real e realizar o ideal, aceitando a diversidade, acolhendo divergências. A unanimidade é perigosa, é prenúncio de autoritarismo. Acolhe o meu fraterno abraço.”

Seria preciso religar, realçar a interdependência entre indivíduo e grupo, bem como as transformações que impeliam a novas formas de pensamento e ação. Muitos anos antes, Morin evocava a unidade complexa. Se a necessidade de organização tendia a transformar a diversidade em unidade, não anularia a diversidade. Num mundo em que imperavam princípios de disjunção, de redução – o que Morin designava de “paradigma da simplificação” –, um pensamento simplificador impedia a conjunção do uno e do múltiplo, anulava a diversidade.

 

 

Por: José Pacheco

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