Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLXXXIX)

Pampilhosa da Serra, 4 de abril de 2041

Conheci o Miguel num congresso de professores tão fraterno e participado como há muito não via. Esse exímio contador de histórias falou de um navio à deriva, cuja tripulação adoecera por falta de água potável.

O telegrafista lançava sucessivos apelos:

“S.O.S., precisamos de água!… S.O.S., precisamos de água!”

Até que um outro navio lhe respondeu:

“Enchei os tanques com água!”.

Sequioso e angustiado, o telegrafista repetiu o lancinante apelo:

”S.O.S., precisamos de água!”

Então, a tripulação do outro navio completou a mensagem:

“Enchei os tanques com água! Estais a navegar em água doce.”

Enquanto o Miguel aludia metaforicamente aos que adoptaram o manual da sobrevivência digna – o manual dos que sabem que navegar é preciso e dos que não se deixam morrer de sede à beira da água – dei por mim a evocar viajantes solidários que, numa certa escola, navegaram o sonho de ajudar as crianças a serem pessoas mais sábias e felizes.

Quase a desembarcar num porto de saudade, estou convicto de que a viagem valeu a pena. E de que a nova tripulação há-de manter o rumo, há-de segurar o leme, sempre que os ventos não soprem de feição. Os novos navegantes protegerão as crianças do naufrágio nas marés da ignorância. Ajudá-las-ão a decifrar o ABC da guerra e da paz.

Na Geografia, as crianças aprenderão que a palavra “assassínio” tanto pode ser escrita com um A de Afeganistão como com um A de América. Na Língua Inglesa, as crianças aprenderão que o adjetivo “bad” pode ser escrito com um b de Bin Laden, mas também com um b de Bush. E, num re-ligare curricular essencial, as crianças aprenderão que a palavra “cultura” começa com um c de Cristo e de Corão.

Nos idos de vinte, apercebi-me de que tinha no computador um auto corretor fundamentalista. Não reagia ao termo Cristo, mas, tão logo digitei a palavra Corão, sublinhou-a a vermelho. Vivíamos tempos sombrios, tempos de intolerância… e de mudança.

Em latim, a palavra “Aprilis” significa “abertura” em alusão à generosa e dadivosa germinação das plantas, que acontecia nessa época no hemisfério norte. O mês de abril é o mais original mês dos calendários das comunidades tradicionais, pois é dedicado à celebração do Amor e da Vida.

Decorria o mês de abril, quando as “turmas-piloto instalaram protótipos de mudança. Dado que o processo formativo é caraterizado pelo isomorfismo, a cada projeto desenvolvido pela equipe de projeto correspondia uma tarefa de idêntica natureza, a desenvolver com alunos e com a comunidade. Com o apoio e acompanhamento de uma equipe de formadores, os participantes no projeto organizaram roteiros de estudo, visando a reelaboração da sua cultura pessoal e profissional.

Aproveitando aquilo que os professores eram e o que sabiam fazer (valorizando o saber “dar aula”), todos os participantes da formação em núcleo de projeto aprenderam a utilizar dispositivos pedagógicos, exercitaram a metodologia de trabalho de projeto, aprenderam a fazer roteiros de estudo, como fazer avaliação etc. À semelhança do educando, cada educador (tutor) desenvolvia o seu projeto de reelaboração cultural, em sucessivos roteiros de estudo, que integravam as dimensões curriculares da subjetividade, da comunidade e da consciência planetária.

Paralelamente, haveria lugar à elaboração de roteiros de pesquisa, com objeto inicial igual para todos os grupos. Por exemplo: reconhecimento do bairro, identificação de espaços e pessoas com potencial educativo…

O trabalho dos educadores seria sempre realizado em equipe. Um educador nunca deveria agir sozinho.

Por: José Pacheco

Deixar Um Comentário