Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CIV)

Taguatinga, 19 de maio de 2040

Em meados de maio, novos casos de coronavírus obrigavam a fechar escolas, uma semana após o “retorno às aulas”. Na cidade de Sens, foram detectados casos de crianças com covid-19‌ em quase um terço das escolas. A pressa de voltar à “normalidade” levou o governo francês a retroceder e a fechar setenta escolas, num só dia.

Diariamente, a minha caixa de e-mails se entupia com a justa indignação de pais, face aos absurdos impostos pela administração educacional:

Hoje, a minha filha começaria as aulas on line às 7h30 e terminaria às 12h50, com um intervalo determinado pela escola, entre as 10 h e as 10h30. Todos os dias é assim… Ontem, ela foi dormir, preocupada. Acordamos cedo, ela irritada se preparou e iniciou a semana com  a aula de biologia. Dos 25 alunos da turma dela, só 10 conseguiram entrar, Os outros, pelo watsapp se comunicavam, pois tambem acordaram cedo e estavam lá. Porém, o link enviado só deu acesso a 10 participantes. Os outros 15 voltaram para a cama. A segunda aula seria de física, mas recebemos um comunicado dizendo que, hoje, as aulas estariam suspensas, pois estavam com problemas. Minha filha voltou para o quarto…

Também recebia queixas provindas de professores:

As primeiras aulas do dia começam muito cedo. Os alunos estão cheios de sono. Assim é difícil dar aula. Na primeira aula do dia, já estou cansado. Mas, se não dou aula, descontam no salário.

Apossou-se de mim um sentimento misto de tristeza e impotência. Que solidariedade poderia exercer, se os professores se tinham deixado funcionarizar? O que poderia dizer aos pais? Fraternalmente, sugeri que dessem a mão aos professores e os ajudassem a refletir. Por exemplo, dirigindo-lhes algumas perguntas:

Se, através da Internet, não conseguis “chegar” a todos os vossos alunos, “chegareis” a todos os alunos, quando estais em sala de aula? Dito de outro modo: conseguis ensinar tudo a todos, dando aula? Nenhum aluno reprova, ou precisa de “reforço”? Ninguém fica analfabeto?

Mas, deveriam ser os professores a perguntar a si mesmos:

Por que será que damos aulas tão bem dadas e há tantos alunos que não aprendem? Por que nos obrigam a trabalhar de um modo que nega o direito à educação a tantos seres humanos?

Os professores, também, poderiam perguntar aos seus “superiores”, por que razão tinham de “dar aula”. E não aceitar por resposta um “achismo”, ou uma autoritária imposição, pois toda a prática tem teoria e enquadramento legal.

Eu apelava ao bom senso e ao respeito pela vida, em resposta à preocupação de pais e professores:

Se, verdadeiramente, amais os vossos filhos e os vossos alunos, somente os deixareis ir até aos prédios das escolas, quando estiverem garantidas condições de segurança, de ausência de contágio. A aprendizagem poderá continuar a acontecer, virtual e presencialmente, no seio da família, na vizinhança. Numa proximidade prudente, “com máscara”, as pessoas – escolas são pessoas, não nos esqueçamos! – se organizarão, para permitir que aqueles que tiverem de se ausentar o façam. E que vão trabalhar, tranquilos, pois os seus filhos estarão protegidos e aprendendo.

Por: José Pacheco

3 Comentários

  1. Roseni Reigota 19 de maio de 2020 em 19:40- Responder

    Muito boa a reflexão sobre esse momento. A primeira coisa que me ocorre é que falta para ma conversa entre pais, alunos e professores sobre a melhor maneira e horários de planejamento das aulas on line a fim de que todos possam se sentir confortáveis e motivados.

  2. Estela Maris Giordani 19 de maio de 2020 em 19:43- Responder

    Olá … de fato há uma complexidade da relação ensinar e aprender … nós professores fomos “formatados” para dar aulas … e de fato nossa tarefa tem a ver com as aprendizagens dos alunos e então aí se justifica a nossa “função” ou seja, a equação seria … o ensino está para a aprendizagem … em síntese!! Essa inversão de lógica é que precisa ser constantemente praticada, é um desafio constante!!
    Abraços e obrigada pela reflexão!

  3. ana fernandes 21 de maio de 2020 em 08:05- Responder

    Há 4 anos consecutivos que vivo esta paixão da mudança da escola fabril para a de comunidades de aprendizagem, graças ao Professor-pedagogo José Pacheco.Fiz, então, 2 projetos, em 2016/17 com apoio do próprio na escola Alves Redol em Vila Franca de Xira, Portugal. Esse apoio foi desprezado, fui insistindo, resistindo, posta de lado suave mas determinadamente. Renovei um dos projetos iniciais e o assédio moral é tal que as possibilidades de aumentar um núcleo de projeto diminuíram drasticamente até à redução da insignificância mínima da minha pessoa na proporção inversa e direta da desumanidade e ignorância máximas de quem é autocrático assumido. por isso, vivo com um travo de impossibilidade em por em prática esta educação integral e a tempo inteiro do respeito, da humanização, da liberdade e alegria no canto do olho.Quando converso com alguém, sou estigmatizada como aquela louca arrogante que ainda não percebeu que a realidade é outra e tem é que se conformar! “Onde já se viu, tamanha desconexão com a realidade que a circunda!” Portanto, ler estas cartas do Prof. José Pacheco é uma lufada de ar puro e uma breve arajem que me diz: “Se calhar a tua entrega à causa ainda não acabou!” Gratidão e comoção.

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