Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXXVIII)

Porto de Mós, 22 junho de 2040

Transcrevo alguns excertos de um documento elaborado pela minha amiga Carolina, no já distante mês de junho de 2020:

“Somos uma sociedade em processo de despertar, de olhar para mudanças necessárias e urgentes. Vivemos dias importantes, incomuns. Enfrentamos – ainda não sabemos por quanto tempo – uma crise sanitária causada pelo vírus Sars-CoV-2, popularmente conhecido como covid-19. Nesse contexto, as escolas, impossibilitadas de funcionar normalmente, estão escolhendo novas maneiras de continuarem funcionando em meio à pandemia e se reinventando.

Nesse novo cenário, estudantes têm tido suas aulas ministradas por professores(as) via mediação tecnológica, plataformas virtuais. A consequência é um desgaste psíquico, dada a maneira pela qual aprendizes e ensinantes vêm lidando consigo mesmos, com as pessoas que os cercam e com a escola. É de conhecimento de todos que as orientações, tanto da Sociedade Brasileira de Pediatria, quanto da Organização Mundial de Saúde (OMS), são de que crianças com idades entre seis e dez anos tenham um limite de tempo em frente às telas de uma a duas horas por dia. E que os adolescentes, com idades entre onze e dezoito anos, passem, no máximo, três horas em contato com telas e tecnologias, por dia”.

Fundamentada na ciência, a OMS estabelecia que crianças com idades entre seis e dez anos não passassem mais do que uma a duas horas por dia. Mas, só em videoaulas, aulas online, inúteis e nefastas aulas, as crianças eram obrigadas a passar quatro a cinco horas diárias frente à tela de um computador.

Acresce que, para além de não terem fundamento científico e de serem atentados à inteligência e ao bom senso, as aulas de ensinagem remota provocavam outros danos:

“O brilho dos monitores e a emissão de radiação de luz azul, presente na maioria das telas, contribui para o bloqueio do hormônio do sono, a melatonina. O resultado é a prevalência de dificuldade de dormir e de manter uma boa qualidade de sono. Na fase de sono profundo, o aumento de pesadelos e terrores noturnos, com prejuízo na produção dos hormônios do crescimento (GH ou somatotropina) e do regulador do apetite (leptina). Lembrando que o pico de liberação de GH se dá na fase do sono profundo e que este hormônio é intensamente produzido pela glândula hipófise, durante os primeiros anos de vida e na puberdade. A criança pode sentir aumento da sonolência diurna, problemas de memória e concentração, com diminuição do rendimento escolar, associados a sintomas de transtornos do déficit de atenção e de hiperatividade”.

A preocupação de uma psicóloga e mãe amorosa e responsável contrastava com a azáfama de empresários do digital, visando a passagem integral da ensinagem presencial para a tela do computador. E um sindicato atento às vorazes diligências de “grupos abutres de educação à distância” (foi assim que o sindicato os designou)  avisava:

Em tempos de crise, como é o caso dessa pandemia que estamos vivendo, podem aparecer alguns, tentando se aproveitar do desespero das escolas, para vender assessoria, consultoria, pesquisas etc. Este é um alerta, que nós temos a obrigação de fazer, pois as informações e todas as pesquisas que essas pessoas usam, para tentar convencer os mantenedores a comprar seus serviços (…)”.

Por aí prosseguia um confronto verbal, que culminaria numa disputa de mercado totalmente alheia ao “manifesto” de amorosas e responsáveis mães. O direito à educação estava a ser transformado numa mercadoria.

Por: José Pacheco

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