Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCLXVII)

Atouguia da Baleia, 2 de outubro de 2041

Hoje, completarei a transcrição de uma mensagem recebida há vinte anos. Um entre muitos dolorosos depoimentos, provindos do lado são do “sistema”. A sua autora contornou obstáculos e logrou concretizar o seu projeto. Mas, o mesmo não sucedeu com a maioria dos melhores educadores do “sistema”. “Morreram na praia”, de medo e frustração. 

A vinte anos de distância, importa recuperar a memória de tempos sombrios, como os daquele em que recebia mensagens como a que, aqui, vos deixo, sem mais comentários. Ela desoculta a violência simbólica de que o poder público se servia, para neutralizar quaisquer esboços de mudança. 

“A secretaria fez uma orientação com a escola em outro momento. E ocorreu esse rompimento conosco. Após aquele dia, minha situação ficou um pouco pior, como se o fato de eu questionar, querer viver e trabalhar de forma autônoma fosse algo errado, inclusive de contribuir com colegas de outra escola. 

Sinto que o fato de me posicionar, de questionar, de convidar os colegas a pensar e conhecer estratégias para uma escola melhor, de estudar, de tentar, seja considerado um crime, algo perigoso, e até mesmo proibido. Sou a professora subversiva! “Perigosa”, entre tantas outras coisas que tenho ouvido e que me deixam triste, pois do lugar de onde vêm, tais palavras causam estragos. Não que sejam estragos definitivos, mas são duros, cruéis e covardes. Sei que isso não vale a pena, mas me abalei.

Vejo que boa parte dos gestores de minha localidade não compreendem que podem pensar em sua própria proposta pedagógica, em suas próprias alternativas, que podem e devem ouvir a comunidade. E, quando falo sobre isso na minha escola, por exemplo (sobre discutir o PPP, sobre conhecer e elaborar estratégias juntos), parece que estou falando um grande absurdo e afrontando, desrespeitosamente, as gestoras da escola e a Secretaria de Educação. Acredite, se quiser! Você sabe do que estou falando. Enfim, gostaria que entendesse o meu sumiço por aqui, o nosso silêncio. Acho que até me prolonguei nas palavras, me perdoe. 

 Aprendi tanto neste ano com as suas falas, com as trocas através do projeto das turmas-piloto, entre tantos outros, que me senti no dever de dar uma explicação sobre os não encaminhamentos e sobre o nosso silêncio. Desconsidere se exagerei e delete esse desabafo, esse muro de lamentações.

Naquela bendita reunião, muito do que ouvi não foi verdade. Não vivo o apoio que foi falado sobre a autonomia garantida ao professor, muito pelo contrário, vivo boicotes, não de todos, mas de alguns em posições muito importantes. 

Não tenho apoio, como professora, para exercer minha autonomia. A voz do diretor e da coordenadora sempre valem como verdade. Percebo um grande jogo de poder, de aniquilação, um jogo de ego e exibição de uma falsa democracia. 

Estou me preparando para mudar de função na escola, pretendo me candidatar à direção da escola em que trabalho. Tenho o apoio dos pais e de muitos colegas. Nunca quis estar na direção, pois a sala de aula e a vivência com as crianças sempre foi o que tocou meu coração. Mas, depois de muitos anos tentando – e conseguindo muitas coisas, sozinha – eu precisarei mudar de lugar dentro da escola, para conseguir alcançar mais e não morrer na praia. Assim o farei. 

No final de 2022, haverá eleições para diretores e, então, eu poderei tentar de outra forma. Sei que terei seu apoio, como sinto já ter. Como disse Lauro, “a meta da educação é a “abertura para todos os possíveis”. Continuarei firme por aqui, para que isso aconteça. 

Até um dia desses, em um melhor momento. 

Abraços!”

 

Por: José Pacheco

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