Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXX)

Pasárgada, em 14 de agosto de 2041

Remexendo o baú das quinquilharias pedagógicas, encontrei uma velha “pen drive”. Dentro dela, uma cartinha queixosa recebida de uma educadora. Tem data de 16 de agosto de 2021, de quando ainda vivíamos na “idade da pedra” da educação. Vo-la transcrevo.

“Caro amigo Zé,

Fiquei de enviar para você um e-mail com a tabela das grades com as páginas das apostilas e semanas que cada escola precisa cumprir. O que mais escutamos é que os professores estão atolados com os sete materiais didáticos, os simulados e a sondagem. E, quando falamos para as escolas que os materiais são sugeridos e não obrigatórios, todas as escolas falam o contrário. 

Temos quatro professores que estão dispostos a promover um novo modelo de escola. Outros seis professores ficaram curiosos, mas ainda se sentem receosos. Na equipe gestora, temos muita vontade em concretizar ações, para que a escola inove e possa ofertar um ensino que vá de encontro aos anseios e expectativas das crianças. Entretanto, uma coisa nos inquieta muito. Como assegurar que a equipe docente possa pensar sobre estas ações e estar disposta a executá-las, se o caminhar proposto pela Secretaria vem numa linha que diverge desta proposta?

Por exemplo, o uso obrigatório de materiais, que exigem muito tempo do ensino presencial e tem um cronograma extremamente justo, com a aplicação de simulados ao fim de cada bloco. O material não vai de encontro às necessidades educativas das crianças neste momento, muitos nem se alfabetizaram, outros tantos não conseguem compreender os conceitos, porque não os estudaram antes e aí se leva praticamente todo o momento presencial nesta demanda.

Na última reunião, foram apresentados os cronogramas de sondagem e nos foi noticiado que teremos em breve a Prova Brasil. No cronograma apresentado, somam-se as ações mencionadas no cronograma do material didático obrigatório, gerando ansiedade e preocupação ao professor, que terá de dar conta das aplicações e do lançamento destes resultados, para gerar os índices do município. Pensando nas crianças, imaginamos que ficarão assoberbadas, preenchendo avaliações e simulados, restando pouco para aprender efetivamente.

Assim, o que nos aflige é que fica difícil pensar em novas perspectivas, quando se tem uma gama de ações muito pontuais e com prazos estabelecidos para serem realizadas, de forma tão enxuta. Isso compromete não só a interação com a criança, como também a possibilidade de o professor pensar em fazer algo diferente, uma vez que estes se fixam aos prazos e se preocupa com as consequências de não entregar o que a secretaria solicita.

Temos de fazer uso do material nas semanas assinaladas no cronograma e realizar os simulados nos dias estipulados. Gostaríamos de pedir orientações acerca de como proceder, porque é delicado motivar o novo, se ficarmos obrigados a manter ações deste porte, que ocupam quase que por completo a rotina docente. Os professores acabam apenas por executar e não encontram espaços para fazer diferente, ainda que desejem”. 

Como vedes, há vinte anos, ainda havia secretarias que obrigavam os professores a aplicar provas. Já nesse tempo, se sabia que as provas eram precários instrumentos de avaliação, de elaboração complexa e de correção falível. A lei nos dizia que a avaliação deveria ser formativa, contínua e sistemática. Uma prova não era formativa. Também não era contínua, pois era periódica. Nem era sistemática. As secretarias da “idade da pedra” da educação, que impunham às escolas uma “avaliação” fundada na prova, agiam fora da lei. 

 

Por: José Pacheco

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