Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DV)

Valpaços, 19 de abril de 2041

Há vinte anos, neste mesmo dia, o meu amigo Valter completava 83 anos de idade. Tentando pôr alguma ordem no caos das velharias que este vosso avô colecionou, encontrei uma mensagem de WhatsApp, que o Valter me enviou:

“Não esperava a generosidade da vida em me dar este presente. É um motivo de alegria poder compartilhar com os amigos esta existência. Também um motivo de tristeza, ao ver quanto resta fazer em prol de nossos irmãos. O tempo vai passando, inexoravelmente. O que conforta é a esperança de um novo encontro, onde poderemos comemorar a amizade e a vida. Será nesta consciência cósmica de solidariedade onde encontraremos a paz, a força e a sabedoria do amor.”

Se, naquele tempo, houve seres humanos próximos da perfeição, o Valter foi um deles. E nem encontro palavras para dizer dos gestos de gratidão, que lhe fiquei devendo. 

Há uns vinte anos, fui com a Cláudia até à Índia, para participar num congresso, cujo lema era “Educação com Base em Valores”. Talvez redundante, pois toda a educação está assente em valores, esse congresso constituiu-se em oportunidade de demonstrar que a melhor educação desse tempo estava no sul. E, em particular, no Brasil. 

Nesse congresso, países dos primeiros lugares do PISA – como Cingapura, que ocupava o primeiro lugar – se fizeram representar com os seus melhores projetos. Mas, o melhor projeto ali apresentado foi o de uma escola brasileira: a Escola do Projeto Âncora. O amigo Valter foi um dos obreiros do Projeto Âncora. Por ser obreiro de paz, optou por guardar um segredo que, se tivesse sido revelado, explicaria o fim desse inovador projeto.

Agostinho de Hipona, conhecido universalmente como Santo Agostinho, foi um dos mais importantes filósofos nos primeiros séculos do cristianismo. Deixou escrito que “a esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.” Também dizia que “com a corrupção morre o corpo, com a impiedade morre a alma”. E os antros de corrupção intelectual e moral dos idos de vinte confirmavam a agostiniana asserção: “Na ausência de justiça, o que é o poder constituído senão pilhagem organizada.”

Agostinho da Silva, português criador do primeiro instituto da Universidade de Brasília, deixou um recado-profecia, antes de voltar para Portugal: 

“Portugal desembarcou na Ásia, desembarcou na África, Portugal desembarcou na América. Só falta Portugal desembarcar em… Portugal.”

O “desembarque”, anunciado na década de sessenta do século XX, viria a acontecer na década de vinte do século XXI. O “tsunami” de uma Nova Educação gestada no sul invadiu o hemisfério norte. A “Educação do Futuro”, adiada por mais de cem anos, dava lugar a uma Educação do Presente. 

Agostinho acreditava que chegaria o tempo de uma nova Idade Média e um novo Renascimento, sem resquícios de escravidão ou de outra exploração do Homem pelo Homem. Mas, foram muitos os anos de sofrimento e morte.

Gosto de escrever escutando música. E, enquanto terminava de escrever esta cartinha, assistia a um velho vídeo. Nele, o Chico César cantava a “Mamãe África” e colocava em reggae um certo “caminhando e cantando”. 

Observei o povo paraibano levantando-se das poltronas, dançando e cantando, para mitigar com nordestina alegria um martírio de gerações de um povo maravilhoso, que me acolheu e me deu oportunidade de uma segunda vida. 

Confesso a emoção. Dei por mim a enxugar as teimosas lágrimas, que rolavam face abaixo. Mas, não vos preocupeis com o vosso avô. Como sabeis, os velhos choram por tudo e por nada.

 

Por: José Pacheco

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