Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXXII)

Tavira, 6 de maio de 2041

Queridos netos.

Satisfaço a vossa curiosidade, concluindo esta estória do tempo da velha escola. Nos idos de trinta, muitos educadores já tinham adotado práticas dos paradigmas da aprendizagem e da comunicação. Porém, no início da década de vinte, os projetos, que erradicaram o modelo instrucionista ainda eram raros. O processo de criação das turmas-piloto foi lento, semeado de escolhos. Em próximas cartinhas, disso vos falarei. Por agora, terminarei a estória.

Recordarei que, pelas cinco da tarde, dos trinta e oito alunos, vinte e seis tinham sido contatados. Como fora possível encontrar os restantes, no breve período de duas horas?

Um dos jovens “em falta”, residia no apartamento contíguo a outro, que fazia parte dos vinte e seis inicialmente contatados. Lavadas as mãos, colocada a máscara, este bateu à porta do vizinho do lado, que disse ter perdido o acesso à Internet. Um “hotspot” atravessou uma parede e levou “wi-fi universal” para o apartamento do lado.

Um jovem, cujo computador havia avariado, conseguiu acesso às tutoras, porque outro jovem do seu “círculo de aprendizagem em vizinhança” lhe emprestou um computador. 

Os dois últimos contatos foram assegurados via Internet e telefone rural. 

Pelas dezenove horas, todos os jovens estavam em contato com as suas tutoras. Não perderam um só dia de aprendizagem. Até nos fins de semana e dias feriados aprenderam. Existia vínculo cognitivo, afetivo, emocional. Havia atribuição de significado ao objeto de estudo. O tempo de fixar os olhos numa tela era reduzido. Acontecia trabalho de equipe em pequenas aglomerações com distância social assegurada. 

Após esse encontro, quase todos os “assistentes” aderiram ao projeto das “turmas-piloto de comunidade de aprendizagem”.

Creio que terei dado um exemplo de como se aprende numa nova construção social de aprendizagem. O presencial e o remoto se completavam, e o direito à educação era plenamente assegurado. A sustentabilidade das comunidades aumentava. O desenvolvimento de currículo de consciência planetária propiciava novas visões de mundo. Efetiva-se o re-ligare da educação familiar com a educação social e a educação escolar. 

Aproveitado o que de útil o paradigma da instrução nos oferecia, juntamos-lhe contribuições dos paradigmas da aprendizagem e da comunicação. Para tal, foram banidas as aulas online, as videoaulas, as “atividades”, as “cartilhas” e outros inúteis instrumentos de ensinagem. Prescindimos da moda do “ensino híbrido”, rejeitamos outros paliativos do modelo instrucionista. Praticávamos uma educação do século XXI. 

No meu deambular do Oiapoque ao Chuí, questionei o meu etnocentrismo europeu. Na presença de povos pré-colombianos, reencontrei Darcy, Agostinho, Montessori, Dewey, Anísio. Em comunidades indígenas, me encantei com o modo delicado, sábio, como educavam os seus filhos: “Segue a criança!”. Reencontrei Freinet, Illich, Papert e Maturana nas favelas. Lá, não havia apenas tráfico, prostituição, milícias; havia autonomia, cooperação… vizinhança. Reencontrei Morin, Nise, Milton, Rogers e o amigo Tião, em muitos quilombos, onde se transformava em ato o provérbio africano que diz ser necessária uma tribo para educar uma criança. Reencontrei Freire, Nilde. Demo, Florestan, Lauro e outros insignes educadores, em lugares onde a tecnologia contribuía para a humanização do ato de educar.

Enfim! Me reencontrei com uma escola pioneira. Nela, a “educação do futuro” se fizera presente, nos idos de setenta. Uma amarga surpresa me esperava.

 

Por: José Pacheco

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