Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (LVII)

Sepetiba, 19 de março de 2040

A leitura da vossa última carta deixou-me a impressão de que podereis considerar-me um pessimista. Não penseis, queridos netos, que eu o seja. Mas, também nunca fui otimista. Aliás, o amigo Rubem dizia-me que o educador não é um otimista, é um esperançoso. Porque o otimismo é da natureza do tempo e a esperança é da natureza da eternidade. Aquilo que ousemos fazer repercute-se por décadas.

Já vos falei do meu amigo André. Mas, nunca será demais evocar esse extraordinário ser humano, um dos educadores mais amorosos, que me foi dado conhecer. Sobretudo, quando estou de passagem por Sepetiba, observando a obra que ele nos legou. No tempo do vírus corona, quando se anunciava o fecho de fronteiras, o André esperançava: Se o meio ambiente não une os povos, nada como um vírus para lembrar que não existem fronteiras e que somos todos moradores da mesma casa. O Torga havia dito o mesmo, mas em verso, há quase um século: de um lado terra / do outro lado, terra / de um lado, gente / do outro lado, gente

Para que conste e a memória não se apague, vos falarei de uma época de fronteira físicas e de outras mais sutis, de um tempo em que o diálogo escasseava. E recorrendo, mais uma vez, a mensagens recebidas do amigo André: Se nós não nos cuidarmos, vamos adoecer psiquicamente e perder o equilíbrio e praticar uma comunicação agressiva com quase todas as pessoas do nosso convívio. Precisamos acalmar o nosso coração e sermos mais leves e mais maduros. O ódio cega e nos aprisiona. O caminho não é responder com o ódio. É responder com amor. Ser crítico, mas sem adoecer e sem colocar os problemas do mundo nas nossas costas. A não-violência só será estabelecida na sociedade, quando nós pararmos de nos violentar e de nos agredir. Não estamos lidando apenas com ameaças virais — outras catástrofes já estão surgindo no horizonte: secas, tempestades fora de controle…

Na mitologia grega, Gaia é o nome da deusa da Terra, companheira de Urano (Céu) e mãe dos Titãs (gigantes). É a personificação do planeta Terra, que é representada como uma mulher gigantesca e poderosa. Em homenagem à deusa grega, a Teoria de Gaia (também conhecida como “Hipótese de Gaia”) descreve a Terra como um organismo vivo com capacidade para manter e alterar suas condições ambientais.

A “Hipótese Gaia” dizia-nos  que a biosfera e os componentes físicos da Terra estavam intimamente integrados, formando um complexo sistema, que mantinha as condições climáticas em homeostase. As reações do planeta às ações humanas não seriam mais do que respostas autorreguladoras desse imenso organismo vivo. Porém, nesse conturbado tempo, sozinha, talvez Gaia não conseguisse resolver a delicada situação. Talvez tivesse que contar com uma ajudinha dos humanos e com o surgimento de um vírus benigno, transformador.

A primeira ação de formação “GAIA Escola” decorreu entre julho de 2015 e julho de 2016, em Brasília. Essa formação de professores inspirou-se nas práticas da Escola da Ponte e do Projeto Âncora, e contemplou as quatro dimensões da sustentabilidade: social, ecológica, econômica e cultural.

Decorridos quatro anos, a “Hipótese Gaia” era discutida no Facebook e as teorias da conspiração surgiam e desapareciam no frenético ritmo do WhatsApp. Apercebermo-nos de que a humanidade não havia entendido a mensagem do vírus corona. Foi, então, que decidimos fazer uma nova formação, uma formação começada pelo… fazer. E, com educadores como o André, esse tempo feito de medo e mentira foi, também, tempo de esperançoso recomeço.

Por:  José Pacheco

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