Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLIII)

Santo André, 26 de fevereiro de 2041

Queridos netos, durante a pandemia, não havia um dia sequer em que não recebesse pedidos de ajuda:

“Venho com o intuito de encontrar uma luz. Explico: Estarei com o que restou da equipe, após o “tsunami” que assolou o nosso projeto. Restou a supervisora e a cozinheira. O grupo sente-se muito sem rumo, especialmente a supervisora, que passou a ter contato mais direto com as crianças, no dia a dia”. 

As escolas permaneciam cativas de uma regulamentação instrucionista deturpadora do espírito da lei. Dizia-se que este belo país produzira mais de um milhão de leis e que a única lei que se cumpria estritamente era a lei da gravidade. Maldosa era essa afirmação, até mesmo difamante, pois se a praga do negacionismo científico defendia o terraplanismo, também poderia negar que houvesse força da gravidade. 

Nesta cartinha, vos falarei de uma lei jamais cumprida. Fora aprovada no final da segunda década deste século. Imensos recursos foram investidos na sua implementação, mas o seu caráter instrucionista transformou-a em nado-morto. Essa lei era necessária e indispensável, mas não concretizou a intenção de combater a desigualdade, nem alterou significativamente os péssimos indicadores de qualidade da educação. 

A “Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2017 acabaria sendo substituída por uma nova base curricular concebida na década de trinta. Esta manteve idênticos objetivos, mas baniu a tralha instrucionista da base anterior, substituindo o “transbordamento curricular” por um currículo de sabres essenciais. Glocalmente, cada comunidade lhe acrescentou saberes populares e componentes do currículo da subjetividade.

Nos idos de vinte, participei de duas audiências públicas, que tinham como lema “BNCC: desafios para a implementação e combate às desigualdades educacionais”. A primeira, no auditório do CNE; a segunda, no Senado Federal. Estiveram presentes representantes do Ministério da Educação, do “Movimento pela Base” e “especialistas”.

Animado da maior boa-vontade e a pedido de um amigo, analisei as várias versões da proposta de BNCC, tendo elaborado um documento contendo construtivas críticas e sugestões. Quando soube da realização da audiência pública em Brasília, fui dos primeiros a inscrever-se através da Internet e o primeiro inscrito presencial, pois fui o primeiro a chegar ao auditório do Conselho Nacional de Educação. Porém, a manhã terminaria sem que eu fosse chamado para expor o meu parecer. Apenas “puxa-sacos” de serviço e membros de um movimento chamado “Escola sem Partido” intervieram, para tecer loas à base, proferir besteiras, ou para formular absurdas exigências.

Desta vez, não vos contarei como agi no intervalo desse encontro. Mas vos asseguro que a “metodologia” por mim utilizada resultou plenamente, pois fui dos primeiros convidados a pronunciar-se, naquela tarde. Fi-lo, fundamentando cientificamente críticas e sugestões, reafirmando a necessidade de o Brasil dispor de uma base curricular que “implementasse o combate às desigualdades educacionais”. Demonstrei que, se a introdução da BNCC contribuía para tal desiderato, a base propriamente dita, sendo instrucionista, poderia constituir-se em obstáculo à mudança.

No final da sessão, fiz entrega de um documento contendo considerações, que a leitura da proposta de base curricular me suscitara. Quero crer que as não tenham lido, nem aquelas que associações profissionais e especialistas em currículo produziram. 

Amanhã, vos falarei das contradições contidas na base curricular.

 

Por: José Pacheco

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