Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLVIII)

Trancoso, 3 de março de 2041

Com a introdução da BNC prosperaram as empresas que vendiam milagrosos paliativos para os males do sistema de ensinagem e negacionistas soluções da pandemia. Nos idos de vinte, a comunicação social era pródiga na divulgação desses e de outros absurdos. 

Avultavam modismos como o ensino híbrido e “inovações” como a “aula invertida”. Nas palavras do seu “criador”, flipped classroom, ou sala de aula invertida, era o nome que se dava ao método que invertia a lógica de organização da sala de aula. Os alunos aprendiam o conteúdo no aconchego dos seus lares, digerindo videoaulas e games (a chamada aula cassino), e na sala de aula, faziam exercícios. 

Dizia-nos a “mídia especializada” que o “peer instruction” fora inventado há cerca de vinte anos. Mas, há mais de um século, o Vygotsky dissera que a aprendizagem resultava de um processo interativo. Considerava a existência de uma ZDP, que representava a diferença entre aquilo que o aprendiz poderia fazer individualmente e aquilo que era capaz de atingir em colaboração com outros aprendizes. Também sabíamos que, há mais de trinta anos, o Papert escrevera sobre o assunto. E que, há cerca de setenta anos, o trabalho de pares já era prática comum no quotidiano de uma escolinha de Portugal, muito antes de um professor norte-americano o ter “inventado”.

Mas escutemos o “inventor”:

“Nos últimos vinte e três anos, em aulas de diferentes disciplinas, ficou comprovado que o ensino ativo (active learning) coloca o foco no estudante”. 

O “comprovado” cheirava a escolanovismo reciclado e não passava de mais uma reinvenção da roda da educação.

“Mudar é difícil” – acrescentava o “inventor” – “especialmente na universidade, que mudou muito pouco nos últimos 400 anos”. 

O “inventor” estava coberto de razão. Só não entendia por que buscava compradores da “invenção” nas universidades, quando acrescentava:

Na sala de aula, existe uma pessoa falando em frente aos alunos (…) não se dá conta de quão pouco seus alunos aprendem”. 

Se assim era, por que razão metade da “invenção” acontecia em sala de aula? 

Durante os cursos que ministrava, o “inventor” do método referia ter escrito um livro sobre a “abordagem” (felizmente, sem tradução em português). Eu recomendaria substituir essa leitura por escutar o amigo Nóvoa, referindo-se à escola da aula: 

“Uma instituição retrógrada, detentora de esquemas arcaicos de organização do trabalho, sistemas de ensino centralizados e estruturas físicas e curriculares rígidas. Hoje sabe-se que este modelo está fatalmente condenado

Universidades brasileiras convidavam o amigo Nóvoa para palestrar. O mesmo Nóvoa que, como muitos outros eminentes educadores, teoricamente rejeitavam a ensinagem e a sala de aula. E as mesmas universidades praticavam ensinagem, continuavam “dando aula”.

Era confrangedora a receptividade da universidade brasileira a pseudo-inovações. Talvez padecendo da síndrome do vira-lata e desconhecendo que a “invenção” já tinha sido inventada em escolas do Brasil da década de 1960, um centro universitário brasileiro promoveu uma palestra proferida pelo “inventor”. E um consórcio de catorze universidades brasileiras iria “adotar o método”:

A intenção do consórcio é capacitar 300 professores em três anos” (sic). 

À boa maneira instrucionista, sujeitos de aprendizagem eram considerados objetos incapazes, a quem se “capacitava”. Modas pedagógicas desciam do hemisfério norte, por via de empresas do ramo educacional do sul. Mal não viria ao mundo, se os educadores as não comprassem. Mas compravam. 

 

Por: José Pacheco

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