Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDVII)

Nepomuceno, 11 de janeiro de 2041

Vinte anos atrás, a Amanda e a Cláudia reagiram negativamente ao conteúdo de uma cartinha. Eu as compreendia. A minha vontade era a de contar o que de belo acontecia, só falar de freirianas “belezuras”. Mas, não deveria omitir notícias das “feiuras”, que também caracterizaram esse tempo.

A Magda enviava-me palavras de incontida revolta face à fealdade:

“Querido amigo, os teóricos debatem, os abutres abatem e nós vamos andando, com a cabeça entre as orelhas, tentando que a humanidade de cada um de nós não feneça. Como compreendo a tua raiva!”

As palavras da Magda fizeram-me lembrar palavras de Agostinho da Silva: 

“Sou doutorado em raiva e licenciado em liberdade”.

E o Mestre Agostinho acrescentava

“Eu creio mesmo que o homem possui as qualidades dos seus defeitos… É possível que destes resultem aquelas, por contraste ou evolução criadora”.

A “raiva” do esperançoso Agostinho era expressa em sentido figurado, em reação ao encerramento de uma faculdade. Mas, poderiam ser aplicadas ao contexto educacional, que se vivia no início da década de vinte. 

As escolas particulares sentiram fortemente os efeitos da pandemia de covid-19. Muitas escolas fecharam, abriram falência. Atentas à crise instalada, muitos “abutres” de um sistema de ensino putrefato, se lançaram em atos de economicista rapina. 

No início da crise, os donos de empresas do ramo educacional tinham-me convidado para lhes explicar o “Método da Ponte”. Expliquei que a Escola da Ponte não era um “método”, mas o assédio se manteve. 

Acedi a um convite zoom (recordais-vos dessa rudimentar plataforma?) e a conversa descambou para diabólicas tentações. Ofereciam-me uma “grana preta” em troca da “entrega do Método da Ponte”. Propunham que, com eles, eu praticasse “franchising”, que lhes concedesse o direito de uso do “Método da Ponte” (por mais que lhes explicasse que não era método, eles insistiam…), para que eles pudessem replicá-lo, explorá-lo, vendê-lo no supermercado da educação, que se tinha instalado na Internet.

É evidente que não cedi, mas alguém se deixou comprar. Mais tarde, vi muitos dispositivos criados na Ponte serem comercializados e darem lucro chorudo a empresas da ensinagem.

A rede pública de ensino tinha retorno anunciado para o início de março de 2021. Mas, já em janeiro, instituições particulares ofereciam ensino presencial, remoto ou híbrido, produtos vendidos por internéticas empresas, que publicitavam esses paliativos embrulhados num discurso hipócrita:

“Li uma reportagem  que me impressionou. Após tantos meses sem aula, era esperado que isso pudesse acontecer. O que mais me impactou foi o depoimento de uma mãe que disse: “Ela não aprendeu nada e esqueceu o que sabia. No começo do ano, estava escrevendo o próprio nome e depois foi esquecendo. Eu tentei ensinar, escrevia no papel e pedia pra copiar, mas acho que não é assim que criança aprende”. O despreparo dessa mãe é o mesmo de milhares de responsáveis que não sabem o que fazer sem as aulas presenciais. A boa notícia é que as aulas vão voltar! O seu esforço deve ser para implementar o ensino híbrido e trazer de volta para a escola aqueles alunos que evadiram em função da pandemia. Assista ao vídeo e veja como você pode captar novos alunos usando a força dos marketplaces educacionais” (sic).

A Magda tinha razão: os teóricos debatiam, os abutres abatiam. No decurso da pandemia de covid-19, os teoricistas tinham produzido a pandemia do “ensino híbrido”. Esse paliativo do modelo instrucionista propagou-se como uma peste, tão ou mais nefasta que a covid-19.

 

Por: José Pacheco

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