Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCLI)

Santa Marta do Pinhal, 16 de setembro de 2041

O Mestre Agostinho dizia que poeta era aquele que criava na vida alguma coisa que na vida não existia. No Brasil, que amou e celebrou, ajudou a criar universidades, tertúlias, institutos. Viveu como um franciscano, porque sabia que nascemos para criar e que a vida deve ser gratuita. 

Consta que, em Itatiaia, reuniu gente naquilo que, hoje, poderíamos designar por comunidade de aprendizagem. Sabia que o desenvolvimento dessas comunidades dependia da diversidade de experiências das pessoas que as integravam, bem como requeria que todos os membros que a constituíssem se envolvessem num esforço de participação, de produção conjunta de conhecimento, vizinho a vizinho, numa fraternidade aprendente.

Ontem, celebrei o aniversário do nascimento do seu contemporâneo Rubem Alves. Esse meu extremoso amigo partilhava os mesmos princípios e a mesma prática do Mestre Agostinho. Propunha que a educação fosse romântica. E eu propus que fosse, também… conspiradora. Assim, nasceram, no distante ano de 2004, os “Românticos Conspiradores”. Em 2013, os RC publicaram o “Terceiro Manifesto da Educação”. E deram origem à CONANE – Conferência Nacional de Alternativas para uma Nova Educação. 

É bom lembrar esses prógonos RC. Como vos disse, na cartinha de ontem, quem os procurasse na Internet, raramente os encontrava. O seu labor era discreto, “trabalho de formiguinha”. Os RC faziam a sua parte. Eram poucos, mas eram o que de melhor a escola pública dispunha. 

As escolas ditas “públicas” permaneciam ilhadas, alheias às comunidades, enquanto a sociedade civil tentava remediar efeitos perversos do instrucionismo. O IDEB, os índices de proficiência, os de abandono, os do analfabetismo, nos mostravam que a escola dita “pública” não era pública. 

Nos bastidores do drama educacional, os RC tudo faziam para concretizar a utopia da “escola pública”. Musil dissera ser a utopia “uma possibilidade, que pode efetivar-se no momento em que forem removidas as circunstâncias provisórias, que obstam à sua realização”. E ia além, quando adotava o princípio de Adolfo Lima de que uma mudança radical talvez fosse impossível, mas que uma mudança não radical seria sempre inútil.

No idos de vinte, assistíamos a mudanças não radicais, inúteis. A inovação era cerceada por um discurso oficial, que Norman Mailer assim definiu:

“Diz apenas uma coisa muitas vezes. Aquela gente é como pedras e surda. Não te preocupes se eles ouvem.” .

Entre as vozes que rompiam silêncios cúmplices, se contava a da minha amiga Tina. Perante o descuido (prefiro usar o eufemismo) da administração educacional, que propagandeava um “novo normal”, metaforicamente, a Tina nela zurzia:

“Você contrataria uma empresa de logística que, a cada 100 entregas, extravia 91 pacotes? Você manteria na sua equipe um funcionário que, a cada 100 tarefas, só conclui 9? Você viajaria em uma companhia aérea que, a cada 100 voos, 91 não chegam ao destino? Você compraria um carro de uma loja que, a cada 100 vendas, dá calote em 91 clientes? Você colocaria o seu filho em uma escola que, a cada 100 alunos que concluem o Ensino Médio, somente 9 apresentam níveis satisfatórios em matemática?”

Os dados estatísticos não mentiam. Por exemplo: menos de 10% dos alunos de escolas públicas e privadas, que haviam concluído o Ensino Médio, apresentavam um conhecimento adequado em matemática. E, bem ao seu jeito, a minha amiga Tina assim concluía a oportuna crítica:

“Eu, realmente, espero que este velho “novo normal” das escolas nunca mais volte.” 

Infelizmente, voltou.

 

Por: José Pacheco

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