Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCLIII)

Vale da Amoreira, 18 de setembro de 2041

Talvez não por acaso, reparei que os pacotinhos de açúcar de uma confeitaria continham curiosas inscrições:

“01:25 – Hora dos Artistas; 06:44 – Hora dos Vencedores; 22:10 – Hora de descontrair; 05:13 – Hora dos sem horas; 14;28 – Hora dos Apaixonados; 21:24 – Hora de contar uma história; 19:16 – Hora de ajudar nos TPC…”

Lestes bem. Havia hora para tudo, para se apaixonar, para ajudar a fazer os trabalhos de casa e até para vencer. Só não encontrei um pacotinho indicando a “hora de perder”. 

Nos idos de vinte, o tempo estava cativo de regulamentos. As escolas abriam e fechavam à mesma hora. As aulas tinham a mesma duração, independentemente do ritmo de cada qual. Os intervalos aconteciam no mesmo horário e até o fazer xixi era cronometrado. A padronização horária estabelecida no século XIX perdurava. 

Fora estabelecido que um ano seria o intervalo de tempo correspondente a uma revolução da Terra em torno do Sol, o que equivalia a 365 dias, 6 horas, 13 minutos e 53 segundos. Depois, fora inventado o ano bissexto, para corrigir excessos. E o ano letivo fora criado não se sabe bem porquê, nem para quê.

No comentário a uma das minhas crónicas, alguém escreveu (sem poupar na pontuação): 

“Sem horários?!…” 

E questionou: 

“Quem der mais horas à escola com prejuízo da família é que é bom professor?” Eu havia escrito que os padrões horários eram dispensáveis nas escolas. Mas, para sossego dos críticos, acrescentei que os professores da Ponte “não davam mais horas à escola”, muito menos “em prejuízo da família”. Horários de padrão único eram aberrações. Muitos anos antes, escrevera: 

“Não gosto de professores missionários, mas também não gosto dos demissionários”. 

O uso desse trocadilho resultara do cansaço que eu sentira no tempo em que a Ponte não podia escolher os seus professores. Quando os “concursados” chegavam, a sua primeira pergunta era, invariavelmente esta: 

“Quais são os meus dias livres?”

Nas escolas por onde tinham peregrinado, fora atribuído a esses professores um horário. Nesse horário, havia manhãs, tardes, dias livres de atividade docente. Na Ponte, nada disso havia. Os dias eram todos “livres”. 

Onde houvesse horário-tipo e livro de ponto não haveria professores autónomos. A autonomia de uma escola era incompatível com mecanismos de poder vertical e de controlo uniforme do tempo. 

Acaso quisesse recorrer à teoria, poderia evocar a cronobiologia. Se quisesse apelar para o exercício do bom senso, reafirmaria a evidência de cada ser humano ser único e irrepetível, dotado de um ritmo específico de aprendizagem. 

Mas, apenas afirmei não existir um só modo de fazer escola. E que os horários de padrão único apenas poderiam ser legitimados por uma cultura autoritária e demissionária, que empestava muitas escolas. 

Por que um tempo de cinquenta minutos para estudar matemática e outro tempo de cinquenta minutos para estudar ciências? Cinquenta, sessenta, noventa minutos, para qual aluno? 

Quando um aluno da Ponte me perguntou por que razão as aulas em outras escolas duravam cinquenta minutos, eu respondi que não havia razão alguma, que eu havia feito essa pergunta a muitos professores que davam aulas de cinquenta minutos e que eles não souberam responder. 

Na educação bancária, que, nos idos de vinte, ainda existia, era assim porque era assim e… pronto! 

Antigamente, a contestação dos demissionários surgia num registo mais pueril. Dizia-me uma professora: 

“Isso de não haver horários aonde nos levaria, colega?” 

Antigamente, havia gente que, por mais que se explicasse, não entenderia.

 

Por: José Pacheco

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