Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXXXVII)

Costa da Caparica, 2 de setembro de 2041

Nos idos de vinte, o desgaste emocional, o cansaço, o desânimo, a desmotivação dos professores, talvez fossem sintomas do final de um tempo – do tempo da arte da aula.

“Sinto que hoje há um medo, uma insegurança no ar, uma falta de confiança entre aluno e professor, que não havia no meu tempo, ouço-me dizer coisas que já pensei no passado, que já escrevi, que estavam no meu entendimento anterior, mas que não haviam se evidenciado no presente daquela aula. É o pior momento que posso imaginar numa aula. Parece que você mesmo se perdeu no passado. Você começa a se sentir clonado por uma voz antiga em que, lá, talvez, havia inteligência, mas não mais aqui. Então é uma luta contra aquilo que você já pensou até. Você não pode ficar naquilo que já pensou alguma vez, pois você está reproduzindo como autômato uma experiência do texto que não está mais ali. Quando isso ocorre, a aula vai por água abaixo. Eu tendo a pensar nos efeitos negativos do flautista de Hamelin: se você está fazendo alguma coisa de que todo mundo na classe está gostando, alguma coisa você está fazendo de errado”. 

Apreciava a honestidade e até mesmo a humildade desses mestres, meus contemporâneos. Aposentado, eu empreendia tentativas de compreender por que razão, ao longo de uma longa carreira, esses insignes mestres sempre “deram aula”. 

Aula tanto poderia significar “sala onde se lecciona”, como “lição”. Era suposto que, se o professor leccionava, uma aula serviria para que o aluno aprendesse a lição. Alguns amigos comentavam que as aulas que davam já não eram “como antigamente”. Diziam-me que as preparavam ainda com maior cuidado e precisão. Eu sabia que havia quem preparasse bem as suas aulas, quem definisse, criteriosamente, os objetivos, rigorosamente elaborassem planos e materiais auxiliares de ensino. Não duvidava de que fossem profundos conhecedores dos assuntos que leccionavam. Mas, em algum momento, teriam pensado bem para quem iriam “dar a aula”? Todos os alunos estariam “aptos a recebê-la”? Todos iriam aprender no mesmo tempo, do mesmo modo, no mesmo ritmo? 

A partir do século XVII, a Pampaedia influenciou o formato da Escola, sendo determinante na emergência da Escola da Modernidade, no apogeu da Primeira Revolução Industrial. Nessa obra, Comenius afirmava ser possível ensinar a todos como se fosse um só. Depoimentos de insignes mestres eram prova contrária:

Para uma aula, a presença é fundamental, mas nem sempre ela se traduz como interlocução real. Por exemplo, quando só o professor fala – nem é porque ele queira, só. Falar de uma coisa que você está cansado de saber, de cor, e chega lá e despeja. Uma aula magnífica, mas que não chega a ninguém, não tem nada. Então, é uma coisa complicada”. 

Nunca demonizei a prática de “dar aula”. Apenas perguntava por que alguém a “dava”. Jamais alguém me deu resposta fundamentada. Sempre que um professor me perguntava como poderia ensinar um aluno a elaborar roteiros de estudo, ou portfólios de avaliação, invariavelmente, lhe respondia: “Dando aula”. Perante a réplica do professor – “Mas, eu poderei continuar a dar aula?” – eu acrescentava: 

Se sabes dar aula, se és competente a “dar aula”, é isso que terás de continuar a fazer, até que te sintas disponível para mudar”.

Comenius não estava errado, se situado no seu tempo e no tempo da emergência da Escola da Modernidade, que correspondeu, com eficiência e eficácia, às necessidades sociais do século XIX. Nos idos de vinte, o que estava errado e fora de época era a manutenção de um modelo educacional do século XIX, em pleno século XXI. 

 

Por: José Pacheco

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