Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXXXVIII)

Almada, 3 de setembro de 2041

Admiro os mestres de antanho, exímios na arte da aula. Mas, sem negar a pertinência desse modo ancião de fazer escola, perguntavas-lhes se haveria outros modos. E, se nesses eventuais e ignorados modos se daria… aula. 

De passagem, também lhes demandava:

“Por que dais aula? O que são “escolas”? 

À primeira das perguntas nada respondiam. À segunda, invariavelmente, diziam ser um prédio composto de salas de… aula.

Havia ruído na comunicação. Não era a falar que a gente se entendia –desentendíamo-nos. A representação mental da palavra “escola” estava alojada na gaveta do “pensamento único”, impedindo de ver realidades com olhos que veem muito para além da aparência das coisas. 

Aqueles extraordinários mestres eram traídos pela intenção de se reverem como protagonistas do fim de uma era: a era da arte da aula. Esse era o único modo de ser professor de que tinham conhecimento:

Dar aula, para mim, como lhes disse antes, foi um desdobramento da minha vida de estudante. Passei de estudante para professor sem perceber. Eu era aluno e depois virei professor. Não tinha a menor ideia de como virei professor e comecei a dar aula. 

Eu me lembro de como foi minha primeira aula. A gente se assustava muito e esse susto permaneceu durante algum tempo. Alguém chegava em uma sala e falava. Quem entendeu, entendeu. Quem não entendeu, que entendesse. Não havia propriamente uma preparação metódica para aquele que iria ser professor. A maioria dos meus professores achava que dar aula não é uma coisa que se aprende a fazer. Se faz. E cada um faz do seu jeito”. 

Carentes de formação em domínios como a Pedagogia, a Filosofia da Educação, a Psicologia da Educação, ou a Sociologia da Educação, alguns mestres lograram instruir. Mas, ignoravam que o seu múnus profissional ia muito para além da instrução. A paixão de ensinar e o profundo conhecimento científico das áreas de especialização lhes tinha permitido transcender-se, sem deixarem de lamentar “a fraca preparação de muitos dos seus alunos”:

Não tinham preparo. Elas tinham que recuperar muita coisa, para poder acompanhar minimamente um curso. Me mostravam com dados bastante objetivos que o gap de aprendizado não seria facilmente sanado nos dois anos previstos para o curso. Tinham uma visão mais pessimista sobre a possibilidade de contornar essa formação deficiente”. 

Os professores do Ensino Superior queixavam-se dos baixos índices de proficiência dos alunos do “ensino “inferior”. O “preparo” do Ensino Médio era condicionado pelo Enem. O Ensino Médio projetava a culpa no Fundamental. O Fundamental atirava culpas para a Educação Infantil e Educação Infantil responsabilizava as famílias, não podendo estas responsabilizar o… Criador. 

O aulismo estava na base da sequencialidade regressiva, que condicionava as iniciativas dos legisladores e deitava a perder todo e qualquer esforço de mudança. Pela via da sequencialidade regressiva, o Ensino Médio determinava os objetivos do ensino básico, contribuindo para a perenização de fenômenos como a elitização, a discriminação e a exclusão social. Mas… a Universidade não seria a matriz do sistema? 

Era imensa a sua responsabilidade:

“A aula é o principal acontecimento da universidade. A universidade gira em torno da aula. Ela é o acontecimento para o qual você se prepara, os alunos se preparam. Se o professor que dá a aula presencial se torna monitor, seu papel diminui. Isso afeta o seu prestígio, a sua valorização”.

O exemplo vinha de cima, do ensino superior. Diretamente, isomorficamente, para o ensino inferior.

 

Por: José Pacheco

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