Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DL)

Santo Antão, 4 de junho de 2041

O meu amigo Vítor dizia que a utopia se achava entre a realidade e a reflexão. Se, na definição de Morus, utopia era um “não-lugar”, ipso facto cumprir a utopia educacional pressupunha conhecer o lugar onde se concretizava e, incessantemente a refletir. Essa era uma das características de projetos inovadores – ou ocorriam dialeticamente, em permanente fase Insituinte, ou deixariam de ser inovadores.

Uma escola concretizou a utopia, num lugar concreto. No lugar da Ponte se gestou e renovou. Visitada, estudada, a nova construção social de aprendizagem rompeu fronteiras. No Projeto Âncora alcançou um formato “quase ideal”. Quando a maldade humana o extinguiu em Cotia, ele se se reinventou na origem e se reconfigurou em outros “não-lugares”. 

A função da utopia é saber caminhar. Mas, como diria Galeano, quando dávamos dois passos, ela dava dez. Caminhando, ajudei a criar escolas inspiradas na Ponte, atualizando a proposta de 1976, “descongelando” o escolanovismo original, ficando atento a reinterpretações e ao desvirtuamento operado por acadêmicos teoricistas. 

Naquele tempo, o verbalismo pedagógico servia-se de teorias fósseis, para prolongar a agonia do instrucionismo. Recuperava, por exemplo, argumentos de Gagné, que considerava o aluno como inapto para agir por si próprio: 

“Manter o aluno interessado no que está fazendo e nas habilidades que vai adquirindo é tarefa que requer grande capacidade de persuasäo de uma pessoa, geralmente do professor, que representa o mundo da experiência e da sabedoria do adulto”

Para esse teórico näo restava qualquer dúvida de que ao aluno competia adquirir habilidades e ao professor a ciclópica tarefa de o manter interessado, a capacidade de o “motivar”, de o seduzir. Fazia apelo à “instruçáo programada”, como se tudo fosse programável em função do binómio estímulo-resposta, chegando ao ponto de afirmar que:

“O resultado é também, no sentido verdadeiro, exterior  à pessoa que aprende (…) ensinar implica agir sobre o aluno com o propósito de: dirigir-lhe a atençäo e as acçöes e guiar o seu pensamento para determinadas áreas”. 

No âmbito das teorias associacionistas, Skinner criou uma versäo muito particular de “individualizaçäo”, que Gagné reproduziu, uma individualizaçäo que fazia apelo a uma atvidade mecânica e proscrevia a liberdade. Skinner afirmava ser necessário manipular as condutas dos outros para o bem geral. Ia ainda mais longe na defesa da utilizaçäo do “reforço positivo”, ao dizer que os indivíduos controlados se sentiam livres. 

Gagné estava certo, ao afirmar que o sistema educacional se destinava a “provocar modificaçöes nas capacidades e atitudes”. A educaçäo é ato intencional. Resta saber a que “modificaçöes” se referia, pois a escolha das condiçöes para a aprendizagem determinava o tipo de modificaçöes que se operavam. 

No capítulo da determinaçäo das situaçöes de aprendizagem, Gagné era peremptório: 

“A questäo mais importante é a extensäo do que pode ser previamente determinado para o indivíduo que aprende. Näo se pode esperar que a pessoa que aprende seja capaz de julgar a eficácia das directrizes de ensino traçadas pelo professor”

E concluía: 

“Pode-se duvidar de que uma sala de aula comum seja o lugar em que se possa realizar a tarefa de determinar condiçöes de aprendizagem para cada estudante em particular. Para o professor, é simplesmnte impraticável atender a cada aluno individualmente”

Por aqui se vê como era difícil a tarefa de romper com o praticismo e o verbalismo. Como era difícil a tarefa de inovar!

Por: José Pacheco

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