Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (LII)

Granja Viana, no primeiro dia de março de 2040

Neste dia de há exatos vinte e nove anos, falecia o meu amigo Walter Steurer. Chamo-lhe amigo, mas poderia chamar-lhe irmão, porque irmanados num mesmo propósito: salvar vidas de jovens. Foi isso que o amigo Walter me pediu, em 2007, quando nos conhecemos. Disso dá conta a carta, que me enviou em dezembro de 2008:

Caro amigo, Professor José Pacheco,

Quando nos encontramos, em 2007, naquele Encontro de Educação, no Projeto Âncora, conversamos sobre nosso sonho de fazer da entidade uma escola, uma escola como sonhamos e sabemos que é possível existir. Na ocasião, você nos disse que poderíamos contar com sua assessoria. Achamos que a hora está chegando. Ano que vem, poderia ser o ano de organização dessa escola, para, em 2010, começarmos a funcionar. Uma escola modelo para Cotia, escola a ser seguida pelas escolas públicas da região e, por que não, também as particulares.

Será que poderíamos conversar sobre isso? Começar a sonhar a realidade? Começar a construir o sonho? Marcamos um encontro? Aqui, ou em sua cidade? Quando? Podes escolher. Aguardo ansioso e esperançoso.

Receba meu abraço fraterno e os votos de Boas Festas.

Walter Steurer, Projeto Âncora.

Quando perguntei ao Walter por que queria que eu o ajudasse a fazer a escola dos seus sonhos, respondeu:

Aqui, nós só fazemos contraturno de escola. Mas é como tentar enxugar gelo. Estes jovens praticam desporto, fazem formação na oficina de circo, aprendem música, ou como se faz um mosaico. Mas, no dia seguinte, depois de passarem pelas suas escolas, chegam iguais ao dia anterior e perdem-se. Eu quero salvar a vida desses jovens. E só com uma escola isso será possível.

Alguns anos mais tarde, a minha amiga Josineide publicou um resumo da sua dissertação de mestrado, a obra “Escola Projeto Âncora – Uma Ponte para a Inovação Pedagógica no Brasil”. Ontem, quando arrumava a biblioteca, encontrei esse livro. E nele li: É uma prática que corrobora com o desenvolvimento do estudante, através do incentivo na visão do ser social, do que se podia fazer pelo outro e com o outro; das habilidades e valores que poderiam servir de alicerce para o desenvolvimento da construção do ser humano presente em cada estudante da Escola Projeto Âncora (…) O professor era tão aprendiz quanto o estudante. E a ausência da palavra aula era de fato a expressão da ausência dela. Não existe aula, mas construção de conhecimento. (…) E a sua construção foi fundamentada em autores brasileiros, sendo respeitada a cultura do país (…) Uma ruptura! Há Inovação. Assim mesmo, com letra maiúscula…

No início de 2011, a Regina me comunicava estar o seu marido muito doente. No primeiro dia desse mês, o meu amigo perdia a sua luta contra um câncer. No leito de morte, dissera à Regina: Pede ao Professor Pacheco que venha fazer uma escola.

Com a Cláudia, tomei a decisão de me mudar de Minas Gerais para São Paulo. Fizemos parte de uma equipe de extraordinários educadores, ajudando a erguer um projeto, que viria a ser considerado um dos melhores projetos, que o Brasil e o mundo já viram.  Durante quatro anos, fui educador voluntário no chão da Escola do Projeto Âncora. E o sonho de um homem bom virou realidade.

Por: José Pacheco

2 Comentários

  1. Alexsandro Machado 26 de março de 2020 em 01:29- Responder

    Linda história que narra o gérmen de toda inovação que brota do chão da Educação: companheiros que se encontram autenticamente e fazem nascer um projeto cheio de Esperança e Amor pelos jovens. O desafio, como tudo àquilo que nasce, é ser cuidado para que cresça, dê frutos, e tenha resiliência para aguentar as adversidades dos bons e dos maus tempos.

  2. Gabriela (Staerke) 30 de abril de 2020 em 21:17- Responder

    “Não existe aula, mas construção de conhecimento.”

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